A capital do estado de São Paulo, com seus habitantes além do que ela pode aguentar, amanheceu cinza, chuvosa, fria. Triste.
Fui de carona até a academia e voltei a pé, debaixo daquela chuvinha que mais mela do que molha. No caminho, passo por um homem negro, alto, forte, na faixa dos 40 anos. Ele ri sozinho e alto. Passa por mim, grita, cutuca o meu braço e continua andando. As pessoas em volta olham assustadas, como se ele fosse o maluco insano ali.
Uns 3 metros depois passo por senhor baixo, branco, careca, olhos claros, na faixa dos 60 anos anos. Ele segura uma bolinha branca entre as mãos, joga-a para cima e quando a agarra de volta ri um sorriso malicioso, passando a língua pelos lábios. Olha para os lados e joga a bolinha pro alto de novo. As pessoas, novamente, olham como se ele fosse o único louco no quarteirão. Eu mesma, confesso, me perguntei se haviam aberto a porta de algum hospício. No mesmo instante, fiquei na dúvida se eu não deveria entrar, já que a porta estava aberta.
Enquanto pensava nisso, um homem e uma mulher começaram a discutir no trânsito. Perdi o motivo, se é que existia um. Ela grita, ele grita, ela ameaça sair com o carro, ele tenta fechá-la e os dois seguem dirigindo assim por um tempo. Esqueci de ver se o senhor da bolinha estava olhando aquela cena.
Mais cinco minutos e entro numa lavanderia. Lá dentro, três mulheres estão histéricas na frente do casal de proprietários. Um casaco foi danificado na lavagem e elas querem o casaco de volta. Os donos afirmam que precisam esperar um laudo, pra ver se o erro é mesmo deles. Elas vão viajar e precisam do casaco. Não podem esperar o laudo. Eles oferecem um dinheiro pra que elas comprem um casaco semelhante, mas elas querem o casaco danificado em ordem para a viagem (!). Gritam, gesticulam, dizem que farão campanha contra a lavenderia na porta, reclamam do Brasil, falam bem da Europa. Eu não consigo me concentrar enquanto aquelas três senhoras ameaçam chamar a Cruz Vermelha, o Obama e o Papa pra resolver o problema do casaco. Saio de lá com vergonha. E atordoada. Apesar da chuva, a imagem começa a ficar turva, como naqueles dias de muito sol.
Na esquina, ouço uma freada. Um motorista fecha o outro, quase há uma colisão. Quase. Nenhum dos carros foi sequer arranhado. Mas os motoristas descem dos carros e começam a discutir. Um acusa o outro de falar no celular enquanto dirige, como se ele mesmo não fizesse isso. Aperto o passo, estou cansada. Não quero ouvir o fim dessa história. Eles que se matem. Dois a menos.
Entro em casa rápido, ofegante, com a sensação de que o mundo está acabando lá fora. Se isso é mesmo verdade, não sei, mas que a civilidade já acabou em São Paulo, disso tenho certeza.
segunda-feira, 5 de abril de 2010
terça-feira, 16 de março de 2010
Onde fui me meter?
Pra relaxar um pouco resolvi fazer uma aula de yoga. Não era algo tão desconhecido pra mim, mas a última vez que fiz yoga deve ter sido há uns...(pensando)...5 anos.
A novidade é que o professor estava mais para sargento do que para yogue.
"Abre o dedão do pé, pé esquerdo pra fora, pé esquerdo pra dentro. Joelho esquerdo pra dentro. Joelho esquerdo pra fora. Abra os dedos das mãos, dedão da mão direita na direção do olho esquerdo; mindinho da mão olhando pra janela". E tudo ao mesmo tempo, enquanto ele não parava de falar. Desisti quando ele disse "ombros sobre as canelas". Eu estava tão contorcida que não consegui imaginar como meus ombros poderiam ficar por cima das canelas.
No fim da aula, um cafezinho no Viena da Livraria Cultura, no Conjunto Nacional. Aí sim relaxei.
A novidade é que o professor estava mais para sargento do que para yogue.
"Abre o dedão do pé, pé esquerdo pra fora, pé esquerdo pra dentro. Joelho esquerdo pra dentro. Joelho esquerdo pra fora. Abra os dedos das mãos, dedão da mão direita na direção do olho esquerdo; mindinho da mão olhando pra janela". E tudo ao mesmo tempo, enquanto ele não parava de falar. Desisti quando ele disse "ombros sobre as canelas". Eu estava tão contorcida que não consegui imaginar como meus ombros poderiam ficar por cima das canelas.
No fim da aula, um cafezinho no Viena da Livraria Cultura, no Conjunto Nacional. Aí sim relaxei.
domingo, 14 de março de 2010
Momento ostra
Estou fechada para balanço. Quase nenhuma palavra consegue sair desse teclado. Não sei quando volto, mas espero voltar poderosa. Força, garra e coragem, é disso tudo que preciso.
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
Carnaval
Sempre que acaba um Carnaval fico com a Marcha de Quarta-feira de Cinzas na cabeça por alguns dias. Ai, Vinícius, tão apaixonado, tão sofredor, tão apaixonante.
A Marcha de Quarta-feira de Cinzas é tão a cara do Carnaval que eu gosto: romântico, ingênuo, brincante. O Carnaval do pierrô e da colombina, da cabeleira do Zezé, da turma do funil e principalmente da Máscara Negra.
"Foi te bom te ver outra vez, está fazendo um ano, foi no Carnaval que passou..."
Quando criança meus pais me levavam pro clube, fantasiada, pra dançar ao som das marchinhas, jogar serpentinas e engolir confetes.
Pré-adolescente eu já não me dispunha a ficar suada pulando no meio de um bando de gente também suada e pulando. Não via muito sentido nisso, até o dia em que voltei pro clube, com uns quinze anos, e ouvi a Máscara Negra.
O Carnaval voltou a ser uma alegria romântica. Voltei a ser um ser brincante durante 4 noites, até que o axé invadiu as praias, os clubes e as ruas desse país. Quando achei que estávamos no fundo do poço, criaram o funk.
Desfilei algumas vezes no Rio de Janeiro, emocionada ao ver tantas pessoas do morro ou não vibrando pelas suas escolas. Procurava tirar fotos e cumprimentar a velha-guarda das escolas e fugia das "celebridades" mostrando os silicones novos espalhados pelo corpo. Sinto que nasci na época errada. Estou sempre suspirando pelo antigo, com saudades do que já passou e até mesmo do que nem vivi.
Nesse Carnaval fui numa matinê, descobri nos rostos de velhos amigos que envelheci. E voltei com saudades da Máscara Negra, que parece já não existir mais.
A Marcha de Quarta-feira de Cinzas é tão a cara do Carnaval que eu gosto: romântico, ingênuo, brincante. O Carnaval do pierrô e da colombina, da cabeleira do Zezé, da turma do funil e principalmente da Máscara Negra.
"Foi te bom te ver outra vez, está fazendo um ano, foi no Carnaval que passou..."
Quando criança meus pais me levavam pro clube, fantasiada, pra dançar ao som das marchinhas, jogar serpentinas e engolir confetes.
Pré-adolescente eu já não me dispunha a ficar suada pulando no meio de um bando de gente também suada e pulando. Não via muito sentido nisso, até o dia em que voltei pro clube, com uns quinze anos, e ouvi a Máscara Negra.
O Carnaval voltou a ser uma alegria romântica. Voltei a ser um ser brincante durante 4 noites, até que o axé invadiu as praias, os clubes e as ruas desse país. Quando achei que estávamos no fundo do poço, criaram o funk.
Desfilei algumas vezes no Rio de Janeiro, emocionada ao ver tantas pessoas do morro ou não vibrando pelas suas escolas. Procurava tirar fotos e cumprimentar a velha-guarda das escolas e fugia das "celebridades" mostrando os silicones novos espalhados pelo corpo. Sinto que nasci na época errada. Estou sempre suspirando pelo antigo, com saudades do que já passou e até mesmo do que nem vivi.
Nesse Carnaval fui numa matinê, descobri nos rostos de velhos amigos que envelheci. E voltei com saudades da Máscara Negra, que parece já não existir mais.
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
Meus amantes
Ontem uma amiga me disse que ser apaixonada pela literatura é quase como ter um amante. E não é que concordei com ela?
Quando estou com meus livros, não quero que ninguém me perturbe. Preciso estar a sós com eles, concentrada naquele ato de amar. Muitas vezes é preciso mesmo estar escondida com eles grudados no meu corpo, para que ninguém me perceba e nem mesmo perceba o que vou fazer, para eu não correr o risco de ser interrompida por alguém que pense que estou apenas matando o tempo. Muito pelo contrário, estou parindo o tempo.
As palavras bem colocadas também me tiram o sono, me fazem rolar na cama de um lado para o outro, enquanto não só penso nelas, mas também as sinto na carne. Isso quando não sinto saudades, em plena madrugada, daquele amante que me fez adormecer em seus braços e nem me permitiu ouvir suas últimas palavras. Acordo agitada, tateando à minha volta, até encontrá-lo e levá-lo para um local com alguma claridade, aonde eu possa vê-lo com mais nitidez sem perturbar o sono do marido.
Há ainda os devaneios em plena tarde, em meio às contas e obrigações cotidianas. A vontade de fugir para me encontrar em seus abraços. A sensação de que esse prazer não pode ser encontrado em nenhum outro lugar que não num texto bem escrito.
Como eu não poderia concordar com essa afirmação?
Quando estou com meus livros, não quero que ninguém me perturbe. Preciso estar a sós com eles, concentrada naquele ato de amar. Muitas vezes é preciso mesmo estar escondida com eles grudados no meu corpo, para que ninguém me perceba e nem mesmo perceba o que vou fazer, para eu não correr o risco de ser interrompida por alguém que pense que estou apenas matando o tempo. Muito pelo contrário, estou parindo o tempo.
As palavras bem colocadas também me tiram o sono, me fazem rolar na cama de um lado para o outro, enquanto não só penso nelas, mas também as sinto na carne. Isso quando não sinto saudades, em plena madrugada, daquele amante que me fez adormecer em seus braços e nem me permitiu ouvir suas últimas palavras. Acordo agitada, tateando à minha volta, até encontrá-lo e levá-lo para um local com alguma claridade, aonde eu possa vê-lo com mais nitidez sem perturbar o sono do marido.
Há ainda os devaneios em plena tarde, em meio às contas e obrigações cotidianas. A vontade de fugir para me encontrar em seus abraços. A sensação de que esse prazer não pode ser encontrado em nenhum outro lugar que não num texto bem escrito.
Como eu não poderia concordar com essa afirmação?
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
Sopro de vida
Hoje fiz uma das coisas que mais me deprimem no exercício da advocacia: ir ao fórum. Apesar de trabalhar como advogada atualmente, decidi, desde a primeira vez que pisei num fórum, ainda como estagiária, que trabalharia na área consultiva. Aquele ambiente de funcionalismo público simplesmente me deprimiu. Foi aversão à primeira vista.
Mas, às vezes não escapo dessa árdua tarefa. O que eu vejo num fórum são advogados, juízes, promotores e cartorários se levando a sério demais, algo que eu não gosto, como já mencionei aqui antes, como se de fato essas pessoas estivessem fazendo justiça. Do outro lado, vejo um público ser tratado com descaso e desrespeito. Vejo um público, leigo e dependente das decisões desses operadores do Direito, receber respostas irônicas. Vejo o nada acontecer.
Hoje, por exemplo, cheguei num cartório e fiquei em pé no balcão, esperando a minha vez de ser atendida. Todos estavam sentados do outro lado, fazendo cada um o seu serviço, mas com certeza alguém tinha que me atender. Era a vez de pelo menos uma pessoa me atender, mas eu fiquei lá uns 15 minutos, a única pessoa no balcão, esperando para ser atendida. Resolvi não chamar ninguém e comecei a batucar no balcão com a ponta da minha caneta. Um barulho irritante, ainda mais para pessoas que estão trabalhando. Fui atendida em 2 minutos.
Em seguida, chega ao meu lado uma senhora com duas crianças no colo, cada uma mais ou menos com 3 anos de idade. Uma delas começa a chorar, a mulher as coloca no chão e eu me abaixo para conversar com elas. A que estava chorando parou e me explica que é prima da outra menina e que elas brincam juntas. Quando eu pergunto do quê elas brincam, me contam que é de pega-pega e começam a correr pelo fórum rindo. Foi mágico: aquelas meninas correndo e rindo e trombando nas pernas dos advogados, dos cartorários e dos policiais.
Eu apenas observei, feliz ao ver um pouco de vida num ambiente pra mim tão triste.
Mas, às vezes não escapo dessa árdua tarefa. O que eu vejo num fórum são advogados, juízes, promotores e cartorários se levando a sério demais, algo que eu não gosto, como já mencionei aqui antes, como se de fato essas pessoas estivessem fazendo justiça. Do outro lado, vejo um público ser tratado com descaso e desrespeito. Vejo um público, leigo e dependente das decisões desses operadores do Direito, receber respostas irônicas. Vejo o nada acontecer.
Hoje, por exemplo, cheguei num cartório e fiquei em pé no balcão, esperando a minha vez de ser atendida. Todos estavam sentados do outro lado, fazendo cada um o seu serviço, mas com certeza alguém tinha que me atender. Era a vez de pelo menos uma pessoa me atender, mas eu fiquei lá uns 15 minutos, a única pessoa no balcão, esperando para ser atendida. Resolvi não chamar ninguém e comecei a batucar no balcão com a ponta da minha caneta. Um barulho irritante, ainda mais para pessoas que estão trabalhando. Fui atendida em 2 minutos.
Em seguida, chega ao meu lado uma senhora com duas crianças no colo, cada uma mais ou menos com 3 anos de idade. Uma delas começa a chorar, a mulher as coloca no chão e eu me abaixo para conversar com elas. A que estava chorando parou e me explica que é prima da outra menina e que elas brincam juntas. Quando eu pergunto do quê elas brincam, me contam que é de pega-pega e começam a correr pelo fórum rindo. Foi mágico: aquelas meninas correndo e rindo e trombando nas pernas dos advogados, dos cartorários e dos policiais.
Eu apenas observei, feliz ao ver um pouco de vida num ambiente pra mim tão triste.
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
Quando tudo é possível
Um dia desses coloquei um CD no aparelho de som, Saltimbancos, e o narrador, o jumento, começou a contar sua história. Um bebê que estava na sala de casa sorriu e continuou olhando para o aparelho de som e sorrindo, enquanto o jumento falava com ele. Para um ser humano que ainda é bebê, uma voz falando com ele é apenas uma voz e não importa se ela vem da mãe, da babá, da avó ou do aparelho de som. Tudo é possível, um rádio falar ou elefante voar. Com a diferença de que um se mexe e faz barulho e outro nem tanto, um cachorro é um cachorro, tanto faz se de carne e osso ou de pelúcia.
Num outro dia desses, caminhando pelas ruas do bairro em que moro, passei por um senhor na faixa dos 70 anos e ouvi ele dizendo: mas adolescente é sempre um problema. Na hora pensei em perguntar a esse senhor se ele não se lembrava da sua adolescência, quando ele queria apenas amar e ser livre.
Não seria possível olharmos uns para os outros sem esse estranhamento, como se nós fôssemos apenas aquilo que somos no presente? Esse senhor não se tornou o que é hoje se não fosse o adolescente que foi há uns anos. E o adolescente não será assim tão diferente desse senhor aos 70 anos, por mais que ele tenha certeza do contrário.
Eu não sou o que sou se não tivesse sido uma criança que gostava da Rita Lee e que ficava olhando pelos minúsculos buracos da caixa de som na esperança de vê-la ali dentro, bem pequenininha, cantando só pra mim. Como eu disse, tanto faz se era um jumento, minha mãe ou a Rita Lee.
O que faz a diferença, isso sim, é que no fundo somos muito mais parecidos uns com os outros do que pensamos. Ou do que queremos.
Num outro dia desses, caminhando pelas ruas do bairro em que moro, passei por um senhor na faixa dos 70 anos e ouvi ele dizendo: mas adolescente é sempre um problema. Na hora pensei em perguntar a esse senhor se ele não se lembrava da sua adolescência, quando ele queria apenas amar e ser livre.
Não seria possível olharmos uns para os outros sem esse estranhamento, como se nós fôssemos apenas aquilo que somos no presente? Esse senhor não se tornou o que é hoje se não fosse o adolescente que foi há uns anos. E o adolescente não será assim tão diferente desse senhor aos 70 anos, por mais que ele tenha certeza do contrário.
Eu não sou o que sou se não tivesse sido uma criança que gostava da Rita Lee e que ficava olhando pelos minúsculos buracos da caixa de som na esperança de vê-la ali dentro, bem pequenininha, cantando só pra mim. Como eu disse, tanto faz se era um jumento, minha mãe ou a Rita Lee.
O que faz a diferença, isso sim, é que no fundo somos muito mais parecidos uns com os outros do que pensamos. Ou do que queremos.
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