sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Carnaval

Sempre que acaba um Carnaval fico com a Marcha de Quarta-feira de Cinzas na cabeça por alguns dias. Ai, Vinícius, tão apaixonado, tão sofredor, tão apaixonante.

A Marcha de Quarta-feira de Cinzas é tão a cara do Carnaval que eu gosto: romântico, ingênuo, brincante. O Carnaval do pierrô e da colombina, da cabeleira do Zezé, da turma do funil e principalmente da Máscara Negra.

"Foi te bom te ver outra vez, está fazendo um ano, foi no Carnaval que passou..."

Quando criança meus pais me levavam pro clube, fantasiada, pra dançar ao som das marchinhas, jogar serpentinas e engolir confetes.

Pré-adolescente eu já não me dispunha a ficar suada pulando no meio de um bando de gente também suada e pulando. Não via muito sentido nisso, até o dia em que voltei pro clube, com uns quinze anos, e ouvi a Máscara Negra.

O Carnaval voltou a ser uma alegria romântica. Voltei a ser um ser brincante durante 4 noites, até que o axé invadiu as praias, os clubes e as ruas desse país. Quando achei que estávamos no fundo do poço, criaram o funk.

Desfilei algumas vezes no Rio de Janeiro, emocionada ao ver tantas pessoas do morro ou não vibrando pelas suas escolas. Procurava tirar fotos e cumprimentar a velha-guarda das escolas e fugia das "celebridades" mostrando os silicones novos espalhados pelo corpo. Sinto que nasci na época errada. Estou sempre suspirando pelo antigo, com saudades do que já passou e até mesmo do que nem vivi.

Nesse Carnaval fui numa matinê, descobri nos rostos de velhos amigos que envelheci. E voltei com saudades da Máscara Negra, que parece já não existir mais.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Meus amantes

Ontem uma amiga me disse que ser apaixonada pela literatura é quase como ter um amante. E não é que concordei com ela?

Quando estou com meus livros, não quero que ninguém me perturbe. Preciso estar a sós com eles, concentrada naquele ato de amar. Muitas vezes é preciso mesmo estar escondida com eles grudados no meu corpo, para que ninguém me perceba e nem mesmo perceba o que vou fazer, para eu não correr o risco de ser interrompida por alguém que pense que estou apenas matando o tempo. Muito pelo contrário, estou parindo o tempo.

As palavras bem colocadas também me tiram o sono, me fazem rolar na cama de um lado para o outro, enquanto não só penso nelas, mas também as sinto na carne. Isso quando não sinto saudades, em plena madrugada, daquele amante que me fez adormecer em seus braços e nem me permitiu ouvir suas últimas palavras. Acordo agitada, tateando à minha volta, até encontrá-lo e levá-lo para um local com alguma claridade, aonde eu possa vê-lo com mais nitidez sem perturbar o sono do marido.

Há ainda os devaneios em plena tarde, em meio às contas e obrigações cotidianas. A vontade de fugir para me encontrar em seus abraços. A sensação de que esse prazer não pode ser encontrado em nenhum outro lugar que não num texto bem escrito.

Como eu não poderia concordar com essa afirmação?

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Sopro de vida

Hoje fiz uma das coisas que mais me deprimem no exercício da advocacia: ir ao fórum. Apesar de trabalhar como advogada atualmente, decidi, desde a primeira vez que pisei num fórum, ainda como estagiária, que trabalharia na área consultiva. Aquele ambiente de funcionalismo público simplesmente me deprimiu. Foi aversão à primeira vista.

Mas, às vezes não escapo dessa árdua tarefa. O que eu vejo num fórum são advogados, juízes, promotores e cartorários se levando a sério demais, algo que eu não gosto, como já mencionei aqui antes, como se de fato essas pessoas estivessem fazendo justiça. Do outro lado, vejo um público ser tratado com descaso e desrespeito. Vejo um público, leigo e dependente das decisões desses operadores do Direito, receber respostas irônicas. Vejo o nada acontecer.

Hoje, por exemplo, cheguei num cartório e fiquei em pé no balcão, esperando a minha vez de ser atendida. Todos estavam sentados do outro lado, fazendo cada um o seu serviço, mas com certeza alguém tinha que me atender. Era a vez de pelo menos uma pessoa me atender, mas eu fiquei lá uns 15 minutos, a única pessoa no balcão, esperando para ser atendida. Resolvi não chamar ninguém e comecei a batucar no balcão com a ponta da minha caneta. Um barulho irritante, ainda mais para pessoas que estão trabalhando. Fui atendida em 2 minutos.

Em seguida, chega ao meu lado uma senhora com duas crianças no colo, cada uma mais ou menos com 3 anos de idade. Uma delas começa a chorar, a mulher as coloca no chão e eu me abaixo para conversar com elas. A que estava chorando parou e me explica que é prima da outra menina e que elas brincam juntas. Quando eu pergunto do quê elas brincam, me contam que é de pega-pega e começam a correr pelo fórum rindo. Foi mágico: aquelas meninas correndo e rindo e trombando nas pernas dos advogados, dos cartorários e dos policiais.

Eu apenas observei, feliz ao ver um pouco de vida num ambiente pra mim tão triste.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Quando tudo é possível

Um dia desses coloquei um CD no aparelho de som, Saltimbancos, e o narrador, o jumento, começou a contar sua história. Um bebê que estava na sala de casa sorriu e continuou olhando para o aparelho de som e sorrindo, enquanto o jumento falava com ele. Para um ser humano que ainda é bebê, uma voz falando com ele é apenas uma voz e não importa se ela vem da mãe, da babá, da avó ou do aparelho de som. Tudo é possível, um rádio falar ou elefante voar. Com a diferença de que um se mexe e faz barulho e outro nem tanto, um cachorro é um cachorro, tanto faz se de carne e osso ou de pelúcia.

Num outro dia desses, caminhando pelas ruas do bairro em que moro, passei por um senhor na faixa dos 70 anos e ouvi ele dizendo: mas adolescente é sempre um problema. Na hora pensei em perguntar a esse senhor se ele não se lembrava da sua adolescência, quando ele queria apenas amar e ser livre.

Não seria possível olharmos uns para os outros sem esse estranhamento, como se nós fôssemos apenas aquilo que somos no presente? Esse senhor não se tornou o que é hoje se não fosse o adolescente que foi há uns anos. E o adolescente não será assim tão diferente desse senhor aos 70 anos, por mais que ele tenha certeza do contrário.

Eu não sou o que sou se não tivesse sido uma criança que gostava da Rita Lee e que ficava olhando pelos minúsculos buracos da caixa de som na esperança de vê-la ali dentro, bem pequenininha, cantando só pra mim. Como eu disse, tanto faz se era um jumento, minha mãe ou a Rita Lee.

O que faz a diferença, isso sim, é que no fundo somos muito mais parecidos uns com os outros do que pensamos. Ou do que queremos.

Sonho de consumo

Nessas tardes que derretem o meu cérebro, o meu corpo e principalmente o meu bom humor, sonho com dinheiro, mas muito dinheiro, capaz de me manter 6 meses na Europa, de preferência em Paris, sem trabalhar.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Invictus

A história é emocionante, o filme é bárbaro e bastante fiel aos fatos e o rugby tem muito a ver com a minha vida, pois é a grande paixão e a base do meu marido, que, aliás, já jogou com vários dos jogadores daquela seleção sul-africana de 1995. Um orgulho! E um privilégio assistir esse filme ao lado dele.

Mas, além disso, o filme vale o ingresso apenas para ouvir o Morgan Freeman recitando o poema Invictus, de William Ernest Henley, que termina assim:

"I AM THE MASTER OF MAY FATE:
I AM THE CAPTAIN OF MY SOUL".

Shall I never forget that!

Talita

Ontem, num desses encontros inesperados, mas desejados, que a vida nos proporciona, voltei meu pensamento para o ano de 1997, quando trabalhei como produtora de um programa feito pela TV Cultura para o MEC.

Devíamos gravar os vídeos que acompanhariam os livros com os novos parâmetros curriculares nacionais. As aulas que apareceriam nos vídeos seriam ministradas por professoras contratadas pelo próprio MEC e a idéia era montar uma sala de aula no estúdio e trazer as crianças de uma escola estadual da região para participar das gravações.

Analisando melhor a logística, ficou decidido que o ideal seria transformar uma sala de aula de verdade num estúdio, usando ainda as outras locações de uma escola real, como quadra, refeitório, laboratórios e pátio. A partir dessa decisão, fomos buscar uma escola que aceitasse nos receber durante alguns meses e encontramos uma na Lapa, em São Paulo.

Durante o período de gravações, escolheríamos aleatoriamente algumas crianças para participar das nossas aulas, ministradas pelas professoras, geniais, aliás, contratadas pelo MEC.

Foi uma experiência enriquecedora pra mim, e tenho certeza que para toda a equipe. Aquelas crianças, taxadas de burras e preguiçosas pelas professoras “de verdade”, se transformaram em crianças inteligentes, espertas, curiosas e alegres. Tudo o que receberam foi uma chance.

Essas crianças entraram com a nossa equipe no laboratório de ciências da escola pela primeira vez. Por que não o usavam antes? Porque poderiam quebrar as coisas. Pela primeira vez entraram na sala de artes. E não entravam antes para não sujar e estragar a sala.

Lembro de um garotinho que gaguejava, criado pelo avô que treinava pombo-correio (sim, em 1997!), que foi colocado pela primeira vez, por uma das professoras do MEC, na frente de um quadro: Guernica, do Picasso. Aquela confusão de imagens pretas e brancas, mas quando a professora perguntou o que eles sentiam ao ver aquele quadro, aquele garotinho, com seus 7 ou 8 anos, respondeu: tristeza. Se ele sabia que aquele quadro retratava uma guerra? Claro que não! Não esqueço, e espero nunca esquecer, da carinha dele, que desabrochou ao se deparar com a arte.

Mas de todas as crianças, foi a Talita quem mais ficou na minha mente e no meu coração. Uma baianinha gordinha e charmosa, com uns 8 anos, que marcou a todos com sua esperteza, inteligência, simpatia e alegria. Talita nos contou que nasceu na Bahia e que lá a “praia era de todos”, mas que ela não falava a língua baiana. Que língua, Talita?, perguntamos. Ela, com todo o seu charme, respondeu: aquela assim, ó: óxentebichinho.

No último dia de gravação, havíamos preparado uma festa que contaria com a presença do então Ministro da Educação, Paulo Renato Souza. As crianças receberiam uma homenagem da equipe, das professoras e do Ministro, mas logo pela manhã, quando cheguei na escola, não encontrei justamente a Talita.

Saí perguntando por ela, mas estava claro que ela havia faltado. Depois de muita insistência, consegui o endereço da sua casa com a diretora e me mandei pra lá.

Logo ao chegar, num conjunto de várias casinhas grudadas umas nas outras numa rua estreita da Lapa, vejo a Talita andando de bicicleta. Desci correndo do carro, a festa já ia começar, e pergunto por que ela não foi pra escola. A resposta dessa criança, especial como toda criança, foi:

- Porque eu não queria falar tchau.

Abracei a Talita, expliquei que havia uma festa na escola e que o Ministro da Educação, que felizmente ela não sabia quem era nem o que fazia, estava esperando por ela. Mas o título era imponente e ela entendeu.

Ela ficou eufórica, mas estava trancada pra fora de casa, pois a mãe havia saído pro trabalho e a Talita estava sob os cuidados da vizinha. Implorei pra essa mulher me deixar levar a Talita pra escola, mostrei meu crachá da TV, prometi trazê-la de volta, enquanto a Talita apenas dizia: o Ministro está me esperando! O Ministro! O Ministro da Educação!

Finalmente, a vizinha concordou e cheguei na escola esbaforida, ao lado da nossa aluna e atriz especial. Consegui tirar uma foto até, bem agarrada com a Talita.

Hoje, a Talita já deve ter uns 20 anos. Espero que continue esperta, charmosa, inteligente e alegre e que tenha crescido com a certeza de que é tudo isso, apesar de tanta gente ter lhe dito o contrário.

Um beijo, um beijo grande, querida Talita!

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Ficção

Num mundo distante, bem longe daqui, existe uma pessoa que anda pelas salas do escritório em que trabalha verificando o alinhamento dos quadros. Todos os dias. Essa tarefa, aliás, é anotada na agenda diária: verificar alinhamento dos quadros.

Essa pessoa, quando faz uma pergunta que tem uma resposta que leva mais do que um minuto, vira as costas para quem está falando com ela. É uma pessoa muito ocupada, sem tempo para escutar os outros. Ela é responsável por atender o telefone e a porta, enviar algumas cartas, anotar a correspondência que chega, resolver os problemas com alguns fornecedores e, claro, verificar o alinhamento dos quadros. Essa pessoa mal tem tempo para almoçar. Como eu disse, é muito ocupada.

Essa pessoa coloca um papel na sua mesa, enquanto você está trabalhando, e a cada 5 minutos pergunta se você já olhou o papel que ela te entregou. Como ela é muito ocupada, tudo o que vem dela é urgente.

Essa pessoa, quando liga para o seu celular e você não atende, não se contenta em deixar um recado. Ela deixa o recado e liga mais outras inúmeras vezes. Como eu disse, tudo dela era urgente. E quando você liga de volta pra ela, qual era o assunto? Ah, a cópia que você pediu é simples ou autenticada?

Aí essa pessoa hoje resolve ter uma conversa com o único coitado que está hierarquicamente abaixo dela. E sabe o que ela diz? "Por que você é tão ansioso? Essa ansiedade não te faz bem".

Nesse mundo distante, eu logo logo logo logo, estarei livre de ter que conviver com essa pessoa todos os dias.