Meu primeiro cãozinho chegou em casa quando eu tinha uns dois ou três anos. Era um dutchund pretinho, o Pitoco, doado por uma de nossas vizinhas. Meus pais sempre tiveram cachorros e meu pai especificamente achava que não devíamos pagar por algo que não tem preço. Então meu primeiro cão foi um presente da Tia Kay e do Tio Derek.
Logo depois o Pitoco ganhou um irmão de outra ninhada, o Banzé, um dutchund caramelo.
O Pitoco foi o primeiro ser a me ensinar uma grande lição. Eu até hoje carrego uma culpa pelo acontecimento e talvez escrever sobre isso me ajude a expiá-la. Foi assim:
O colégio onde eu estudava, uma vez por ano, se não engano, promovia o Dia dos Animais. Cada criança podia levar o seu animal de estimação para passar o dia na escola. Imagine a zona! Tinha cachorro de tudo quanto é tamanho, gato, passarinho em gaiola, coelho e até sapo! E o mais engraçado é que todos se davam bem. Ficavam lá, ao lado das nossas carteiras, assistindo aula com seus doninhos.
Eis que um ano eu levo o Pitoco no dia errado. Errei. Achei que era o Dia dos Animais e não era. Cheguei lá, com meu pai e meu cachorro na coleira. Só eu com cachorro. Fiquei tão brava com meu erro, era (como ainda é) tão inadmissível eu errar, que eu fiz o quê? Comecei a chutar o Pitoco. Sim, sim, sim. Eu chutava o Pitoco e dizia que ele era um cachorro burro. Não preciso de uma análise freudiana pra entender o que se passou, certo?
O meu pai, acho que não pra não me encher de tapas na frente de todos, disse que ia levar o cachorro de volta pra casa. Passei o dia amargurada e arrependida, claro. Não via a hora de chegar em casa e abraçar o Pitoco e pedir desculpas. Mas o que aconteceu quando eu cheguei em casa? O Pitoco não estava. Nós morávamos numa chácara e os cachorros tinham toda a liberdade para passear por onde bem entendessem, mas o Pitoco, até então, sempre esteve lá. Nesse dia ele sumiu. Ficou fora a noite toda.
Apenas no dia seguinte, quando acordei bem cedo, pude encontrá-lo na porta de casa. Abracei-o com toda a minha força, chorei e pedi desculpas, talvez as mais sinceras que já pedi em toda a minha vida.
Eu sei lá por qual razão ele passou a noite fora, talvez nem fosse mesmo a primeira vez, mas tenho pra mim que ele quis ensinar uma criança a não culpar os outros pelos seus próprios erros.
O Pitoco morreu alguns anos depois, numa briga com os dálmatas da vizinha. Foi minha primeira perda significativa, a que me preparou para tantas outras que tive depois.
Sabe o mais engraçado? No ano seguinte eu levei o Banzé no dia errado. Eu era bem mané, não? Mas dessa vez o Banzé ficou com a gente o dia todo, reinando sozinho na sala de aula, sentadinho ao meu lado. Lembro até que tivemos uma festa de aniversário nesse dia e o Banzé ganhou coxinha e bolo. Se deu bem.
O Banzé, se não estou enganada, morreu atropelado. Depois deles vieram o Caco (uma mistura de cocker com vira-lata), o outro Banzé (irmão de outra ninhada do Caco), o Faro (um fila caramelo), o Corman (um fila cinza) e o Chang (um shar-pei amarelo, o primeiro que meu pai comprou). Todos esses já se foram, deixando suas marcas em cada um lá de casa.
Hoje estamos com Viola (um fox, o mais velhinho), Fubá (labrador amarelo), Branco (labrador preto), Tobias (bulldog inglês), Zeca (poodle branco) e todos os viras que eu e minha mãe tiramos das ruas: Bento, Menina, Boneca, Bionda, Morena, Achado, Matilda e Sasha.
Ah, não posso me esquecer da vira-lata mais especial de todas, que até hoje me faz chorar de saudade: a Aurora, mãe da Bionda, da Morena e do Achado. A Aurorita, que está enterrada sob uma bela primavera lá em casa. A Gorda Vagabunda, que merece um post ou até um livro só pra ela.
E tudo isso eu escrevi porque estava olhando o Ulisses e a Penélope (nossos berneses, os únicos que moram comigo e com o Marcelo) deitados aos meus pés, como se tivessem a missão de me proteger, com aquele olhar de cachorro que me faz chorar de emoção e acreditar que o mundo é, sim, um bom lugar pra se viver.