Eu tive medo da Estamira desde que a vi pela primeira vez, na forma de um trailler na telona do cinema. Tive medo de encará-la e ver em seus olhos o tamanho da minha pobreza. E também da pobreza de quem me cerca, seja lá quem for.
Várias foram as minhas tentativas de entrar numa sala de exibição para ver Estamira, mas eu nunca consegui. Era medo mesmo. De verdade. Como eu sairia daquela sala? O que Estamira poderia fazer comigo?
O tempo passou, Estamira saiu de cartaz e eu me livrei dela. Até hoje.
Entrei na 2001 apenas para devolver os três filmes que tinha alugado no final de semana, dos quais só consegui ver "Conversando com "Mamãe".
Paguei pela locação e quando levantei os olhos, já pronta para sair, Estamira estava lá, num cartaz me encarando. No momento não pensei e saí carregando Estamira comigo.
Cheguei em casa, coloquei a caixa do DVD sobre a mesa, olhei bem para a Estamira, peguei um pacote de Pringles e uma caixa de fundo de alcachofra, sentei no sofá, abri a caixa de alcachofra e apertei o "play" no controle remoto. Medo. Tensão.
As imagens começaram a aparecer: lixo, lixo e mais lixo. Muito lixo. Cachorrinhos mamando. Cachorros sarnentos. Urubus. Barracos. Gente. Gente no lixo. Gente morta no lixo. Cavalo morto no lixo. E Estamira.
Estamira sente falta de sua mãe. A mãe que ela internou num hospício por causa de um amor que a traiu não uma, mas várias vezes.
"Quem revelou o homem como único condicional, não ensinou trair, não ensinou humilhar, não ensinou tirar. Ensinou ajudar".
Estamira acreditava em Deus. Deus esse que um de seus estupradores lhe pediu para deixar de lado durante o estupro. Deus para ela hoje é Deus estuprador.
Estamira simplesmente não aguentou a podridão humana. Preferiu o lixão do Jardim Cramacho. Ou o desperdício do Jardim Cramacho.
"Agora no momento eu não sei nem o nome desse aqui, mas é conserva, é preparada lá fora e boa. Isso também eu como purinho. Palmito. Veio uma carga muito boa. Eu ponho no molho do macarrão também e às vezes fica até melhor que lá no restaurante. Pra quem sabe preparar, né".
Estamira também nos ensina que a gente não aprende na escola. A gente copia. Ela tem um neto de dois anos que "ainda não foi pra escola copiar hipocrisias e mentiras e charlatagens". A gente só aprende com as ocorrências.
Quase tudo em Estamira doeu, mas o que mais me doeu mesmo eu ainda vou criar coragem para dizer. Por enquanto é só meu.
PS: o pacote de Pringles e a caixa de alcachofras esperarão uma próxima oportunidade para serem devorados.
segunda-feira, 11 de junho de 2007
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4 comentários:
Bem-vinda, Lu, ao mundo blogueiro. Belo post.
Eu, da minha parte, sigo com medo da Estamira.
Beijo.
Oi Lu, tudo bem?
Concordo com vc, realmente Estamira é muito forte, pra não falar fo...né?
Um amigo meu é o responsável pela trilha, Décio Rocha, e já ganhou alguns prêmios por isso!!!
Ah!! Já estou a procura do livro da Clarice Lispector...rs
Bjão, Isa.
Oi Isa!!! Parabéns para o Décio Rocha, essa trilha realmente merece prêmios.
E obrigada pela visita.
Um beijo,
ou quem sabe, nossa pringles serà o almoço de estamira......
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